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Direitos Reprodutivos e Saúde: Planos de Saúde Devem Cobrir Tratamentos de Fertilidade?

Por Dr. Vladimir Saboia – vladimirsaboia.blog.br

Introdução

A busca pela realização do sonho de ter filhos é um direito que se insere na esfera dos direitos fundamentais à saúde, à dignidade da pessoa humana e à formação familiar, todos assegurados pela Constituição Federal. Contudo, muitos casais enfrentam dificuldades para acessar tratamentos de reprodução assistida, especialmente quando os planos de saúde se recusam a custear procedimentos como a fertilização in vitro (FIV).

Este artigo esclarece os direitos dos pacientes que enfrentam infertilidade, analisa a legislação brasileira, discute as obrigações dos planos de saúde e traz decisões judiciais relevantes sobre o tema.


Direito à Saúde, à Dignidade e à Constituição Familiar

O direito à saúde é assegurado pelo artigo 196 da Constituição Federal:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Além disso, o artigo 226 reconhece a família como base da sociedade, merecendo especial proteção do Estado.

Portanto, a infertilidade, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença, gera a necessidade de tratamento, enquadrando-se na proteção constitucional da saúde.


Legislação e Normativas sobre Reprodução Assistida no Brasil

Embora não exista uma lei específica que regule os tratamentos de reprodução assistida no Brasil, a matéria é disciplinada por:

  • Resolução CFM nº 2.320/2022: Estabelece as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, atualizando critérios, limites de idade e regras para doação de gametas.
  • Lei nº 9.263/1996 (Planejamento Familiar): Dispõe que o planejamento familiar é livre decisão do casal e que o Estado deve garantir recursos para o exercício desse direito, o que inclui o acesso às técnicas de reprodução assistida.
  • Lei nº 9.656/1998: Regula os planos e seguros privados de assistência à saúde, sendo interpretada de forma ampliativa pelo Judiciário no que tange aos procedimentos necessários para garantir o direito à saúde.

Planos de Saúde São Obrigados a Custear Tratamentos de Fertilidade?

Os planos de saúde frequentemente alegam que tratamentos de fertilização não estão incluídos no Rol de Procedimentos da ANS, utilizando isso como justificativa para a negativa.

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou entendimento de que o rol da ANS possui caráter exemplificativo, e não taxativo, especialmente após o julgamento do Tema Repetitivo 1.082/STJ, de 2022.

O Judiciário tem reiteradamente decidido que:

  • Se a infertilidade é reconhecida como doença, seu tratamento deve ser coberto.
  • A negativa do plano de saúde configura prática abusiva, conforme o artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
  • A cláusula que limita o tratamento de doença coberta é considerada nula de pleno direito.

Jurisprudência Relevante

TJSP – Apelação Cível nº 1001537-14.2020.8.26.0011:

“Restando comprovada a necessidade médica da realização de fertilização in vitro, impõe-se reconhecer a obrigação da operadora do plano de saúde em custear o tratamento, sob pena de ofensa aos direitos fundamentais à saúde e à constituição familiar.”

STJ – Resp 1.733.013/SP:

“O rol da ANS é meramente exemplificativo e não pode ser utilizado como obstáculo à realização de tratamento necessário para o restabelecimento da saúde do paciente.”

TJSP – Apelação Cível nº 1015796-87.2021.8.26.0009:

“A infertilidade, considerada doença pela OMS, deve ser tratada. A negativa do plano é abusiva, pois limita indevidamente cobertura prevista no contrato.”


Impacto da Negativa na Vida dos Pacientes

A recusa dos planos de saúde em custear tratamentos de fertilidade atinge diretamente:

  • O projeto de vida e de constituição familiar dos casais;
  • A dignidade da pessoa humana;
  • A saúde física e mental dos envolvidos, provocando sofrimento, ansiedade e quadros depressivos;
  • A violação dos direitos do consumidor e dos princípios constitucionais.

O Que Fazer em Caso de Negativa?

✔️ Passo 1: Solicitar a negativa formal e por escrito, com a justificativa do plano.

✔️ Passo 2: Consultar um advogado especializado em Direito à Saúde.

✔️ Passo 3: Ingressar com ação judicial com pedido de liminar, visando garantir o custeio imediato do tratamento.

Os Tribunais têm concedido decisões rápidas e favoráveis, principalmente quando há indicação médica fundamentada.


Conclusão

O tratamento da infertilidade não é um luxo, mas uma necessidade médica amparada pela legislação, pela Constituição e pela jurisprudência. Planos de saúde que negam esse direito ferem não só as normas consumeristas, mas também princípios fundamentais da dignidade humana e do direito à saúde.

Se você teve seu tratamento de fertilização in vitro negado, procure imediatamente orientação jurídica especializada. Seus direitos precisam ser garantidos.


Por Dr. Vladimir Saboia
Advogado Especialista em Direito à Saúde
www.vladimirsaboia.blog.br

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