O Aumento Abusivo dos Planos de Saúde: Análise Jurídica à Luz do Código de Defesa do Consumidor e da Jurisprudência Brasileira.
Resumo
O presente artigo analisa o fenômeno do aumento abusivo das mensalidades de planos de saúde no Brasil, com enfoque nas práticas de reajuste por faixa etária, sinistralidade e índices acima da inflação médica. A partir de uma abordagem interdisciplinar, examina-se a legislação aplicável, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), destacando-se os mecanismos de proteção do consumidor e as hipóteses de intervenção judicial.
1. Introdução
O mercado de saúde suplementar no Brasil é regulado pela Lei nº 9.656/1998 e pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Apesar do arcabouço normativo, é frequente o ajuizamento de ações judiciais questionando aumentos considerados abusivos por parte das operadoras. A prática de reajustes desproporcionais, especialmente em contratos antigos ou individuais, afeta diretamente o acesso à saúde, configurando potencial violação a direitos fundamentais.
2. Fundamentos Legais
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) aplica-se às relações entre usuários e operadoras de planos de saúde, conforme entendimento pacificado pelo STJ (Súmula 469). Entre os dispositivos relevantes, destacam-se:
- Art. 6º, IV – Direito básico do consumidor à proteção contra práticas abusivas.
- Art. 39, V – Vedação à exigência de vantagem manifestamente excessiva.
- Art. 51, IV – Nulidade de cláusulas que estabeleçam obrigações abusivas ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada.
A Lei nº 9.656/1998 dispõe sobre a possibilidade de reajustes, mas condiciona sua aplicação às normas estabelecidas pela ANS, que fixa percentuais máximos anuais para contratos individuais e familiares.
3. Modalidades de Reajuste
Os aumentos nos planos de saúde podem ocorrer de diferentes formas:
3.1. Reajuste Anual
Definido pela ANS para planos individuais/familiares, com base em variação de custos médico-hospitalares (VCMH). Para planos coletivos, não há teto legal, mas o reajuste deve ser razoável e justificado.
3.2. Reajuste por Faixa Etária
Permitido pela Lei nº 9.656/1998, desde que:
- As faixas etárias estejam previstas contratualmente;
- Os percentuais estejam claros e não discriminatórios;
- Não haja aumento excessivo na última faixa, conforme orientação do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003, art. 15, §3º).
3.3. Reajuste por Sinistralidade
Comum em contratos coletivos, vinculado ao índice de utilização do plano. A ausência de transparência na metodologia de cálculo pode configurar abusividade.
4. A Jurisprudência
O Superior Tribunal de Justiça tem consolidado entendimento sobre o tema:
- Súmula 608: Aplica-se o CDC aos contratos de plano de saúde.
- REsp 1.568.244/RJ (Tema 952): O reajuste por faixa etária é válido, desde que respeitados os parâmetros atuariais, a boa-fé e a razoabilidade.
- REsp 1.733.013/SP: O reajuste sem comprovação atuarial idônea é abusivo e pode ser revisto judicialmente.
Tribunais estaduais frequentemente determinam:
- A redução do percentual de reajuste;
- A restituição em dobro dos valores pagos indevidamente (art. 42, parágrafo único, CDC);
- A manutenção do contrato com reajuste limitado ao índice autorizado pela ANS.
5. Critérios para Identificação da Abusividade
Para caracterizar o aumento como abusivo, observa-se:
- Desproporção entre o percentual aplicado e os índices de inflação médica.
- Ausência de transparência na apresentação de cálculos e fundamentos atuariais.
- Violação à função social do contrato, impedindo o acesso à saúde.
- Ofensa ao princípio da boa-fé objetiva e ao dever de informação.
6. Medidas Judiciais Cabíveis
O consumidor lesado pode:
- Propor ação revisional para limitar o reajuste;
- Pleitear tutela de urgência para impedir a aplicação do aumento;
- Requerer indenização por danos materiais e morais, quando houver comprometimento do tratamento ou risco à saúde.
7. Conclusão
O aumento abusivo de planos de saúde viola a dignidade da pessoa humana, o direito fundamental à saúde e a proteção do consumidor. Cabe ao Poder Judiciário e à ANS atuarem de forma vigilante para coibir práticas abusivas, garantindo equilíbrio contratual e preservando o acesso contínuo aos serviços de saúde suplementar.
Referências Bibliográficas
- BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor.
- BRASIL. Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.
- BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Estatuto do Idoso.
- BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resoluções Normativas.
- STJ, Súmulas 469 e 608.
- STJ. REsp 1.568.244/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 2ª Seção, j. 14/12/2016.
- STJ. REsp 1.733.013/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 27/11/2018.